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PAIAIÁ: MUNICÍPIO DE NOVA SOURE LETRAS NO SERTÃO, POR RONALDO JACOBINA

Ao Paiaiá, município de Nova Soure, só vai quem tem negócio. E negócio, bom que se diga, não é o forte deste povoado de cerca de 500 habitantes. Grande parte da comunidade vive exclusivamente da cultura de subsistência. Do feijão e do milho. O restante sobrevive da aposentadoria. Até pouco tempo, o cotidiano dos moradores se limitava às conversas de porta da rua e ao vaivém da meninada à escola local.

Às segundas-feiras, a rotina era quebrada com a viagem, de cinco quilômetros, a Nova Soure, município-sede da localidade, para abastecer a despensa. Assim como tantos outros lugarejos espalhados pelos grotões do país, este estava fadado a continuar esquecido.

Em 2001, dois filhos da terra se uniram para mudar essa sina. Geraldo Moreira Prado, 76, e o sobrinho José Arivaldo Prado, conhecido como Vadinho - que não diz a idade -, resolveram trazer riqueza àquele pedaço de chão. Logo, o universo começou a conspirar a favor das letras. O primeiro tinha um vasto acervo de livros que não cabia na casa para a qual mudaria após a separação da mulher. Vadinho, desde menino, colecionava revistas e gibis e os exibia para os coleguinhas no quarto de sua casa. Resolveram então criar uma biblioteca.

Quiproquó:  O caminhão com o primeiro lote de livros veio da casa de Geraldo, no Rio de Janeiro. A chegada dos caixotes motivou um quiproquó danado entre os moradores. Na noite anterior, souberam, pelo noticiário na tevê, que uma carga de livros havia sido roubada. Vadinho teve trabalho para se explicar. "Contei que os 12 mil livros vieram no caminhão de Zé do Bode e que tinham sido doados por meu tio para a gente montar uma biblioteca comunitária".

O mal-entendido foi esclarecido e entrou para o almanaque de lorotas local. Passados 14 anos, Geraldo e Vadinho começam a colher os lucros da utópica empreitada. A riqueza se espalhou pelo vilarejo e arredores. A literatura transformou vidas e trouxe notoriedade para o vilarejo.

Com um acervo que ultrapassa 110 mil livros, a biblioteca motivou a professora Walnice Nogueira Galvão, da USP, a fazer uma rigorosa pesquisa, que concluiu ser esta a maior biblioteca rural do mundo. No acervo - parte  disposta em empoeiradas prateleiras improvisadas nas duas casas geminadas, erguidas por Geraldo, com os próprios recursos, parte amontoada pelo chão - estão obras raras, como a primeira edição de Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, e a coleção completa, em francês, de Molière, dentre outras preciosidades.

Nos primeiros anos de funcionamento, o espaço tornou-se a atração do vilarejo. Era para lá que os jovens e adultos locais corriam para descobrir o mundo escondido nos livros. "Fizemos muitos projetos em parceria com escolas, com organizações não governamentais, e incentivamos o hábito da leitura. Não só no vilarejo como nos municípios circunvizinhos", explica Geraldo.

A novidade impulsionou muita gente a buscar o conhecimento. "Vários pessoas estudaram aqui e, depois, seguiram para cursar faculdade nas cidades grandes", conta Vadinho, ele mesmo um dos beneficiados. Depois de concluir o curso de letras, em Sergipe, voltou ao vilarejo para tocar o projeto da biblioteca. Descobriu que a gestão não era para amadores. Retornou à universidade. Desta vez no curso superior de biblioteconomia. "Com a formação, vou aprender a organizar o acervo, implantar novos projetos".

Com suas idas e vindas a Aracaju, e com Geraldo morando no Rio de Janeiro, coube a Francisco dos Santos, 41, cuidar da higienização dos livros e fazer o atendimento ao público. Seu trabalho, assim como o de Vadinho, é voluntário. "Quando chega algum projeto, recebemos um dinheirinho, mas quando os recursos se esgotam, trabalhamos pela comunidade".

A recompensa, garante, é ver o crescimento dos jovens. Como Hugo Noslian, 20, que foi aprovado no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de Catu. "Vinha para cá escondido de meus pais, que não aceitavam que eu estudasse. Me inscrevi no processo de seleção sem que eles soubessem. Só avisei quando fui aprovado", conta o paiaiaense, que concluiu o curso no ano passado e agora sonha com um lugar no mercado de trabalho. "Quero trabalhar e continuar estudando para engenharia de alimentos. Desde que comecei a frequentar a biblioteca, um mundo novo se abriu para mim". Enquanto o sonho não se concretiza, Hugo passa as tardes na biblioteca estudando para concursos.

Internet:  Nos últimos anos, a procura pelos livros na biblioteca caiu. O movimento, no entanto, continuou a crescer. O desequilíbrio é culpa da internet que chegou ao vilarejo. O único ponto de acesso é na biblioteca. Os moradores trocaram os livros pelo celular. Na hora do recreio, os alunos da escola correm para lá. Os mais velhos disputam espaço nas calçadas para se manter conectados.

A mudança de hábito não preocupa os criadores do espaço. Foram eles que trouxeram o sinal para lá. Apostam que a acessibilidade serve como um atrativo a mais para a comunidade, que já dispõe de jogos, música e vídeos no local. "Essa migração é um fenômeno mundial. Não temos como prescindir disso. Vamos continuar estimulando a leitura", diz Geraldo.

Para ele, Vadinho e Francisco, sempre haverá quem veja nos livros a chave para o conhecimento. E devem "de" estar certos. Enquanto conversávamos sobre o destino do impresso, recebemos uma visita inesperada. Era Sílvio Almeida do Nascimento, 21, que havia rodado oito quilômetros de moto em busca de um livro. "Vocês têm A pedra do reino, de Ariano Suassuna?" A pergunta chegou como uma resposta aos nossos questionamentos.

Enquanto Vadinho e Francisco procuravam o livro, Sílvio justificava sua escolha. "Eu li um texto dele e fiquei encantado com aquele universo lúdico. Quero me aprofundar mais na sua obra". Bingo! Nascido numa família de pequenos agricultores, a leitura nunca foi incentivada em casa: "Meu pai fazia os filhos para aumentar a mão de obra", brinca Sílvio.

Na escola pública onde ele estudou, "contra a vontade dos pais", como ressalta, a leitura nunca foi incentivada. Pelo contrário. "Mas eu sempre soube que era necessária, tanto que me esforcei para entrar na faculdade de farmácia e, lá, eu percebi que, para conviver com pessoas esclarecidas, precisava elevar o intelecto. O único caminho para isso era a leitura".

A faculdade em que Sílvio estuda fica no município de Paripiranga, a pouco mais de 100 quilômetros dali. Como não dispõe de recursos para viver lá, ele cruza a estrada de moto, toda semana, para assistir às aulas. "Tem semanas que não vou porque não tenho dinheiro para a gasolina".  As dificuldades financeiras não o impedem de sonhar. "Quero crescer para ajudar minha comunidade, e faço campanha em prol da leitura. Uma biblioteca como essa vale mais que um carro-forte, porque a riqueza que ela proporciona a um ser humano é a maior de todas: o conhecimento".

Parceria:  A iniciativa de Geraldo e Vadinho só não conseguiu transformou mais vidas na localidade porque o nível escolar na região ainda é pequeno. De cada dez habitantes, três mal sabem assinar o nome. "A biblioteca trouxe movimento para cá. Foi a melhor coisa que chegou aqui desde que me entendo por gente", diz Ana Ferreira dos Reis Bispo, 73, vizinha do espaço.

Ela diz que já passeou entre as estantes abarrotadas por diversas vezes, mas confessa que não é de ler. Não que não tivesse vontade. "Para mim é difícil porque tenho pouca leitura", diz, referindo-se à baixa escolaridade. Da porta de casa, Ana e o marido José Correia Bispo, 84, assistiram às mudanças. "Aqui no Paiaiá não chegava visitante. Só os parentes. Hoje, a gente vê chegar gente do mundo todo para conhecer a biblioteca, para pesquisar nos livros. E é muito bonito isso".

A presença dos visitantes pode ser conferida num dos muitos livros de registro da biblioteca. Dos anônimos da região a figuras ilustres, passando por imortais, como o escritor baiano Antônio Torres, que recentemente participou de um dos muitos eventos promovidos pela biblioteca, transformada recentemente em organização social para atrair parceiros.

Torres, que integra a  Academia Brasileira de Letras, doou ao espaço diversas obras de sua lavra. Todas autografadas. "Outra doação importante veio do acervo do escritor e bibliófilo José Mindlin", acrescenta Francisco. Por ora, as doações estão suspensas. "Não temos como receber mais livros. Estamos, inclusive, separando alguns para doar", explica Vadinho.  Segundo ele, não é por soberba. "Temos muitas obras repetidas e, como somos uma biblioteca comunitária, e não pública, não precisamos ter mais de um exemplar de cada título". O desafio agora é buscar novos parceiros, criar novos projetos.

Tio e sobrinho se desdobram para preservar a semente que plantaram. Vadinho fica com a organização do acervo, que vem fazendo, devagar, com um programa doado pela Fundação Biblioteca Nacional. Geraldo, lá do Rio, fuça editais, no Brasil e no exterior, para expandir a riqueza cultural pelo sertão. Para a dupla, o sonho de ajudar mais sertanejos a se tornarem leitores está só começando.

Por Ronaldo Jacobina, Revista Muito, Jornal A Tarde, domingo, 8 de novembro 2015.
Fonte: Joilson Costam
Postagem: Brankinho Mendes

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1 Comentários

  1. Essa biblioteca é um encanto!
    Gostaria de entrar em contato com algum responsável pela mesma, para organizar uma excursão com meus alunos para o local, seria possível?

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